PARASHAT EMOR – REALIDADE E CONSCIÊNCIA

Nos tempos modernos tornou-se lugar comum encarar a religiosidade como uma forma infantil e fantasiosa de consciência. Especialmente nos meios acadêmicos e intelectuais, a vivencia religiosa é tida como algo exótico e pouco sério. É como se a visão religiosa da vida buscasse apenas dourar a pílula e acalmar as mentes diante da realidade tão difícil e assustadora. A pessoa religiosa seria então um tipo de lunático ou louco manso, que em vez de encarar o mundo de frente preferiria olhar as coisas com lentes cor de rosa. O pior é que muitos, que se declaram religiosos realmente agem dessa forma, sustentando idéias completamente contraditórias e distantes da realidade.

Completamente diferente dessa posição é a verdadeira consciência religiosa. Em sua busca pela transcendência a pessoa religiosa deveria querer alcançar a essência do real, e não sua negação: a fantasia. Essa pelo menos tem sido a visão de grandes mestres da tradição judaica. O judaísmo já nasce a milênios atrás negando a fantasia da idolatria. A Hagadá de Pessach chega até a declarar a idolatria uma espécie de escravidão mental. Tanto os profetas, nos tempos bíblicos, como os rabinos, nos tempos talmudicos, demonstraram uma visão sábia e corajosa da existência. Em hebraico a palavra metziut significa tanto realidade quanto existência.

No século XVIII o rabino e místico italiano Moshé Haim Luzzato começa seu famoso tratado o Derech HaShem (O Caminho de Deus) citando Maiomonides (séc XII- XIII) afirmando que Deus, a quem chama de Matzui Rishon( O Ente Real Primário) é a essência geradora de toda a realidade. Luzzato era um grande conhecedor do Zohar, que tentou ensina-lo em uma linguagem compreensível à modernidade nascente de seu século. Segundo ele o encarar a realidade de frente é que torna possível principiar a sentir a presença de Deus. Essa postura vivencial é o principio da experiência religiosa profunda. A realidade não é o que nós queremos que ela seja, ela é. Por isso, a verdadeira consciência religiosa é também uma postura corajosa. Coragem que Luzzato demonstrou em toda sua vida, ensinando a mística judaica, a pesar de todos os inúmeros problemas que enfrentou em sua época.

Em nosso século, o Rav Kook, primeiro rabino chefe de Israel, ensinava que a consciência religiosa deve se alargar na medida em que a ciência, e ética, os valores humanos e a civilização avançam. Dizia Rav Kook, que a consciência religiosa deveria ser a forma mais abrangente de contato com a realidade numa dada época e por isso ela não é algo estático. Foi assim que ele corajosamente aceitou a teoria da evolução das espécies como a forma como Deus criou a vida nesse planeta. No plano político, Rav Kook bancou uma postura sionista apesar de que os meios religiosos de seu tempo pensavam que só seria possível a fundação de um estado judeu na era messiânica. Todas essas eram posturas baseadas em seu ponto de vista, de que a busca de Deus é a busca do âmago da Realidade.

Recentemente dois intelectuais israelenses, o rabino ortodoxo de origem sefaradi holandesa Natan Lopes Cardozo e Tamar Ross, professora na Universidade Bar Ilan, tem sustentado posturas semelhantes às de Rav Kook e Luzzato. Segundo o rabino Lopes Cardozo é possível e apreciável, que um judeu religioso aceite que o universo tem bilhões de anos e que a vida evoluiu até o estágio atual. Isso não enfraquece a religiosidade, torna-a mais forte e capaz de dar respostas válidas às situações da vida real. A religiosidade não é uma fuga, é antes um mergulho na existência. Ross afirma que a verdadeira religiosidade judaica é o oposto do fundamentalismo, que tem vicejado em nossos dias em certos círculos.     

Navegar através da vida é deslocar-se no oceano chamado realidade. A aposta judaica é que a realidade é una, apesar de ter muitos níveis. Na medida que alargamos nossa consciência e permanecemos despertos, vamos nos tornando mais sábios. O marinheiro sábio quer chegar no “grande encontro” sem afundar nem bater em algum recife ou iceberg. Para isso ele precisa conhecer o mar. Uma das formas de meditação judaica é a hitbonenut, que significa estar luminosamente desperto. São exercícios que tem como finalidade não confundir a ilusão e o devaneio com o real em seus vários níveis. A falsa religiosidade manifesta-se ou como fundamentalismo infantil ou como conveniência social vazia. A pessoa religiosa por outro lado, é antes de mais nada um buscador corajoso e consciente da Essência de todas as coisas.  

Essa é uma das lições que podemos aprender da parashá desta semana, que trata do período de contagem do omer. A partir do segundo dia de Pessach, fazemos uma contagem ritual dia a dia até a festa de Shavuot, somando um total de cinqüenta dias ou sete semanas. Esses são os dias que se passaram da saída do Egito até a chegada ao sopé do monte Sinaí. O Egito representa o estado de adormecimento e alienação exitencial. A travessia pelo deserto representa nossa viagem através da vida, que sempre é dura e fatigante. A chegada ao Monte Sinaí é nessa metáfora o grande encontro com a essência da realidade, que é Deus. Contar os dias significa manter-se desperto. Manter-se desperto significa estar consciente. A consciência é nosso elo de contato com a realidade interior e exterior. Deus não está só em nossa essência, mas também na essência de todas as coisas.

Diziam os hassidim da cidade de Mezbizh em idish: “Ales ist Gott.”- Deus é tudo o que existe – É portanto a essência da Realidade.

Shabat Shalom,
Rabino Alexandre Leone
Coordinador Pos Graduacion en Estudios Judaicos, Sao Paulo
Unisal- Seminario Rabínico Latinoamericano


LA PARASHÁ EN VIDEO:
Un proyecto conjunto entre el Seminario, Masorti Olami y la Asamblea Rabínica:
Los invitamos a compartir la Parashá de la semana.